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Artigos-->O MAESTRO MARCO MESSA FERREIRA e o Octobaixo -- 20/04/2024 - 15:58 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O MAESTRO MARCO MESSA FERREIRA

e o Octobaixo

 

L.C. Vinholes

20.04.2024

 

 

Como não fui contemporâneo do luthier Jean Baptiste Vuillaume (1798-1875) e não conheço o Conservatório de Música de Paris, me tenho como uma pessoa de sorte por ter vivido em Milão no último quatro dos anos 1990 e, em determinado momento, ter ficado frente a frente com uma das maiores raridades dos instrumentos de corda até hoje conhecidos.

 

Aproveitando minutas e apontamentos de dezembro de 2003, inclusive as das mensagens trocadas, resolvi retomar aos assuntos referentes ao maestro Marco Messa Ferreira e ao octobaixo, o mega violoncelo construído na Itália um ano antes da minha chegada a Milão, em maio de 1996.

 

Preliminarmente quero registrar que, em abril daquele ano, deixei a Agência Brasileira de Cooperação do Itamaraty, onde era coordenador da cooperação técnica bilateral com o Japão e Canadá, para, no Consulado-Geral do Brasil em Milão, cuidar da implementação do projeto da criação do Instituto Brasil-Itália (IBRIT), tarefa que me foi dada pelo embaixador Guilherme Leite Ribeiro, recém-designado cônsul-geral naquele posto.

 

Assumira o compromisso de dedicar-me às tarefas relacionadas à implantação do projeto do IBRIT, tais como escolher o candidato a diretor e os professores dos cursos de língua portuguesa falada no Brasil, preparar a minuta do contrato de locação de um imóvel adequado às atividades a serem ali desenvolvidas, definir os termos do regulamento da instituição, etc., tendo acertado com o Departamento de Pessoal do Itamaraty que assim que o instituto começasse a funcionar a contento eu voltaria ao Brasil e à ABC.

 

Nos três anos e poucos meses que fiquei em Milão e no IBRIT, repeti o que fizera no Japão e no Canadá, desenvolvendo atividades ligadas à cultura, às artes e aos nossos costumes, o que me era prazeroso e extremamente gratificante. Organizei exposições, recitais de música brasileira com artistas do Brasil, conferências com participação de especialistas brasileiros e italianos, inclusive as séries intituladas Janela para o Brasil e Música do Brasil, promovi a campanha Dê vida ao seu livro que resultou na doação de centenas de livros que estavam com brasileiros residentes na Itália e que se somaram aos da biblioteca do antigo Centro de Estudos Brasileiros que, durante anos, ficaram encaixotados sob a guarda da embaixada do Brasil em Roma.

 

No presente artigo não tratarei de detalhes dos inúmeros eventos exitosos promovidos pelo Consulado-Geral, muitas vezes de parceria com instituições italianas, dentre as quais destaca-se Centro Cultural da Associação do Teatro Filodramático presidido pelo engenheiro Giulio Rusconi Clerici, mas sim do fracasso de um projeto que me parecia factível e que, pela sua singularidade, despertaria o interesse e a curiosidade dos que dele participassem ou que dele tivessem notícia: o Concurso de composição para o octobaixo.

 

Em 1997, andando pela rua paralela à Catedral de Milão - Piazza Duomo, como dizem os italianos -, passando em frente à pequena igreja onde, em 1873, Carlos Gomes se casou com a pianista Adelina Peres, vi, em um coreto, um grupo de músicos e seu regente tocando repertório do século XIX. Terminada a apresentação, cumprimentei ao regente e fiquei sabendo ser ele o jovem maestro Marco Messa Ferreira, brasileiro, nascido em São Paulo, em 2 de novembro de 1952, filho de uma soprano, integrante do Coral do Teatro Municipal da capital paulista, e de um violinista amador italiano que, desde de cedo, o “estimulou a apreciar a música clássica, principalmente a música de câmera”. Diz ele que aos 11 anos iniciou os estudos de violoncelo com Vittorio Basevi e, em 1975, recebeu o diploma de Maturità Scientifica do 8º Liceo Scientifico de Milão. Depois de começar a estudar violino com Celestino Farotto, abandonou os estudos universitários e matriculou-se na Escola Internacional de Fabricação de Violino de Cremona, onde frequentou os Cursos de Formação Profissional da Região da Lombardia com o mestre arqueiro Giovanni Lucchi, tendo, em 1982, recebido seu diploma de Mestre Arqueiro - o que sabe construir arcos -, e em junto de 1983 aberto seu ateliê na Via Alessandro Vota, 10, em Milão.

 

 

Em 23 de maio de 1998, assisti ao concerto realizado no altar-mor da nave central da Catedral de Milão, com o maestro Marco Messa regendo o Réquiem de Verdi tendo, na Orquestra Mediolanensis, um instrumento de cordas que, pelo seu tamanho, chamava a atenção do público. Era o octobaixo construído em 1992, por Pierre Bohr, com financiamento das Indústrias Gráficas Nicola Moneta, cópia fiel do disponível no Museu Instrumental do Conservatório de Paris e seu mecanismo para o dedilhamento apresenta simplificação, sendo mais prático do que o octobaixo pioneiro de Jean Baptiste Vuillaume (1798-1875), mostrado na Exposição Universal de Paris (1849), e utilizado, pela primeira vez, pela Orquestra de Louis Antoine Jullien (1812-1860), nos concertos que deu na Inglaterra em 1850-1851. Nicola Moneta era apaixonado por música barroca e estudou contrabaixo com Gianfranco Scotto.

 

O que é o octobaixo

 

O octobaixo é um instrumento da família das cordas, desconhecido do grande público e a literatura a seu respeito é bastante reduzida, destacando-se o Tratado de Orquestração de Hector Berlioz, publicado em 1844. O octobaixo tem cerca de três metros e meio de altura e três cordas afinadas nas alturas de C´-G´-C com a corda mais baixa uma oitava afinada abaixo da corda C do violoncelo. Para toca-lo o músico precisa subir em uma banqueta. A literatura especializada informa que o octobaixo possui alavancas acionadas pelas mãos ou pelos pés do octobaixista e que elas pressionam os trastes do braço do instrumento, empurrando as cordas para baixo para criar notas. São poucos os exemplares do octobaixo hoje exibidos em museus ou em uso, não podendo serem esquecidos o do Kunsthistorisches[i] Museum em Viena, o Museu de Instrumentos Musicais de Phonix, no Arizona, o da Cité de la music, em Paris, e o da Sinfônica de Montreal.

 

Quem é o maestro Marco Messa Ferreira[ii]

 

 Marco Messa Ferreira nasceu em São Paulo em 2 de novembro de 1952, aos três anos mudou-se para Milão, onde começou os estudos de regência de orquestra e canto lírico, além de diplomar-se no Conservatório Giuseppe Verdi em oboé e trompa inglesa. Foi solista destes instrumentos acompanhado, entre outras, pelas orquestras: Angelicum, Rosetum, Acam, Mediolanensis, Ambrosianeum, European e MMF IME, Solistas de Milão e se apresentou como solista de oboé da Orquestra de Alessandro Marcello em memorável concerto na Catedral de Milão. Participou dos cursos de aperfeiçoamento dos mestres Carlo Prato, Pietro Borgonovo, Renato Zanfini e Maurice Bougue. Foi o primeiro colocado no Concurso Nacional para Jovens Instrumentistas de Lario (oboísta). Além da Itália atuou em vários países incluindo: França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Áustria, Espanha, Hungria e Suíça. Em Milão foi professor de oboé na Escola de Música de Pieve Emanuele e na Escola de Música de Vermezzo, sendo também diretor desta última. Estudou canto com Jolanda Torriani e Silveria Ferreira e como barítono, com frequência, colaborou em apresentações do Teatro alla Scala, tendo oportunidade de estar ao lado de Luciano Pavarotti e de outros nomes ilustres da ópera internacional e de ser solista na ópera de Bertold Brecht no Teatro Strelher de Milão. Depois de, durante anos, ser colaborador do maestro Bruno Casoni do Teatro alla Scala, tornou-se, em Milão, diretor do coro polifônico Schola Cantorum Augusto Casati de San Giuliano Milanese, do coro da Associação Mediolanensis de Buccinasco e do coral de Sedriano. Terminando seus estudos de regência, em 1993 foi co-fundador da orquestra de câmara Bottega della Musica e, em 1997, fundou a Orquestra Sinfônica de Câmara Mediolanensis. Foi um dos diretores da comissão do projeto Música nas Escolas da Educacionais de Milão, patrocinado pelo Conselho de Ministros, pela Província de Milão e pelo Município de Milão. Foi o segundo colocado no Concurso Internacional para Orquestras de Cordas da Società del Giardino e Regente Convidado da Orquestra MusicuMozart de Nerviano. Somando-se às suas inúmeras atividades como maestro, Marco Messe foi, também, diretor fundador das bandas cívicas de Pieve Emanuele e de Vermezzo. Não posso deixar de registar que, graças à amizade e à afinidade com o trabalho desenvolvido por Marco Messa Ferreira, em 1998, me foi outorgado o Cartão de Sócio Honorário nº057/1998, da Associação Musical Mediolanense de Bucciasco.

 

Sócio Honorário nº057/1998

 

O concurso de composição

 

Parafraseando o telegrama N° 939/97 do Consulado-Geral do Brasil em Milão, do embaixador Guilherme Leite Ribeiro, e o despacho telegráfico[iii] N° 836/97 recebido da Secretaria de Estado das Relações Exteriores, o concurso seria promovido pela citada repartição consular, pelo IBRIT e pela Associação Musical Mediolanensis; seria aberto aos compositores brasileiros e aos estrangeiros com residência permanente no Brasil; teria seu regulamento divulgado dia 16 de fevereiro de 1998, por correspondência enviada diretamente aos compositores brasileiros e pela home page, do Setor Cultural, de Cooperação e Divulgação do Consulado, fornecendo não só o texto do regulamento, mas também as características do octobaixo com uma amostragem de sua sonoridade típica e pouco conhecida; a composição seria originalmente escrita para o referido instrumento e aos disponíveis na orquestra da citada associação; o prazo para entrega das obras, com quinze minutos de duração, seria o dia 1° de novembro de 1998 e os vencedores do 1°, 2° e 3° lugares seriam conhecidos até o dia 1° de dezembro de 1998. Do júri poderia participar um compositor indicado pelo setor competente do Ministério da Cultura (FUNART) que deveria financiar a sua viagem a Milão. Os prêmios seriam de R$ 2.000 reais, a serem pagos no Brasil para o 1° colocado, e US$ 1.000,00, para o 2° e 3º colocados; outros prêmios estavam sendo definidos, tais como prêmio de viagem a Milão para o primeiro colocado, por companhia aérea a ser escolhida, impressão de partitura pela Casa Ricordi de Milão; etc. O Conservatório Verdi que, depois do Teatro alla Scala, tem a melhor sala de concertos de Milão poderia vir a ser local escolhido para o concerto de premiação do concurso. O maestro-titular Marco Messa Ferreira, negociaria com a Representação da Comunidade Europeia, na Itália, o financiamento e patrocínio da ida da orquestra ao Brasil para se apresentar, pelo menos, no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, com programa incluindo as obras dos compositores vencedores. Tendo em vista ser muito pequeno o repertório do octobaixo, o concurso, para se justificar plenamente, além de premiar as três melhores obras inscritas, se reservava o direito de escolher duas outras obras para conferir-lhes menção honrosa, visando a ter um número suficiente de composições para o lançamento de um CD, a ser produzido em Milão. Finalmente, era cogitada a possibilidade de o projeto do concurso ser incluído na programação de demandas culturais patrocinadas pelo Brasil, pretensão que contava com o apoio de Paulo Afonso de Moura Ferreira, pianista, professor da UnB, presidente da Seção Brasileira da Sociedade Internacional de Música Contemporânea e assessor do Departamento Cultural do Itamaraty.

 

O resultado e o aprendizado

 

Profissionalmente sempre se aprende algo quando decidimos tornar concreta uma ideia ou um projeto que envolva várias pessoas e interesses nem sempre convergentes e que exija diálogo em busca de consenso e de um denominador comum. No caso do concurso em apreço não foi diferente: quando os diversos contatos haviam começado, os detalhes eram examinados e aceitos e a divulgação estava encaminhada, houve mudança dos diplomatas na chefia do Consulado-Geral, chefia essa que, logo de início, se mostrou avessa ao diálogo e criando dificuldades exigindo a mudança tempestiva do formato da prestação de contas até então usada, anualmente respeitada e apresentada pelo ativo e competente diretor do IBRIT Henrique Pessoa de Abreu, arquiteto paisagista, ex-aluno de Roberto Burle Marx, professor titular da Faculdade de Arquitetura do conceituada Universidade Politécnica e do Instituto Europeu de Desenho de Milão que, não conseguindo usar o modelo estabelecido pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores, via se esgotarem os prazos que asseguravam receber a ajuda anual de apoio financeiro oficial dada ao instituto. Nos anos 1997 e 1999, sentia-se avançar a perversa metamorfose do que fora o IBRIT, que já não tinha condições de dialogar com as instituições italianas que lhe davam apoio; e que via sua programação sofrer modificações para atender a interesses de uma orientação política duvidosa, mas em ascensão. Da minha parte, em novembro de 1996, impossibilitado de, como antes, trabalhar nas minhas atividades do Setor Cultural de Cooperação e Divulgação do Consulado, tratei de conseguir a autorização para remoção à Brasília, onde, ao chegar, passei a responder pela Coordenador da Assessoria de Administração, Orçamento e Finanças da ABC. Com a não concretização do projeto do concurso os compositores brasileiros ficaram sem a oportunidade de dele participarem, o público brasileiro ficou sem conhecer um maestro conterrâneo versátil e experiente, um repertório singular, um instrumento de história única e, o mais lamentável, Marco Messa Ferreira não recebeu os aplausos e nem sentiu o calor humano das plateias do país que foi seu berço.

 

Aos leitores deste artigo, para que possam conhecer melhor o intenso trabalho que o IBRIT realizou nos primeiros cinco anos de suas atividades, convido-os a visitarem o artigo IBRIT 5 anos de trabalho e vivência, desde fevereiro de 2007 disponível no site <www.usinadeletras.com.br> e hoje com 2.657 acessos.

 

Não deixo de sentir-me satisfeito e gratificado com a experiência e com o trabalho que tive, com as amizades que fiz com parceiros italianos e de ter coletado as informações acima a respeito do maestro Marco Messa Ferreira e do instrumento que conheci graças à sua amizade e de ter aprendido que nem tudo que se planeja com o envolvimento de terceiros, compartilhando ideias e ideais, com dedicação e afinco, é concretizado.

 

 

 

 

[i] Museu da História da Arte.

[ii] Valendo-me de informações prestadas pelo maestro Marco Messa Ferreira

[iii] Despacho-telegráfico são os telegramas enviados pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores às embaixadas e aos consulados do Brasil no exterior.

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